A Arte de Contar
Histórias
Da tradição oral à criação de um curso de pós-graduação lato
sensu
Giuliano
Tierno de Siqueira[1]
Resumo: O
presente artigo trata da criação do curso de pós-graduação lato sensu A Arte de
contar histórias – abordagens poética, literária e performática. Nos últimos
vinte anos o fenômeno da narrativa oral tem ocupado os mais diversos espaços
ligados à produção de cultura (bibliotecas, livrarias, centros culturais, etc),
à educação escolar e à educação na vida (OLIVEIRA e SILVA, 2002). As formações
dos profissionais dão-se de maneiras mais diversas em cursos de curta e média
duração como extensões universitárias, oficinas, workshops, etc, na maioria das
vezes, ministrados por narradores que têm experiência na área ou com formações
em linguagens artísticas, sobretudo a linguagem teatral. O que se observa
também é uma espécie de formatação de um produto narrativo, dito de outro modo,
uma opção estética que se reproduz em muitas práticas como, por exemplo, a
presença de um narrador com indumentária característica da cultura popular
(mesmo vivendo em centros urbanos) e a presença de um músico que participa com
a produção de sons incidentais no transcorrer da narrativa. O fazer teatral
também absorveu a narratividade, deslocando muitas vezes a prática narrativa a
um compromisso performativo muito mais característico da linguagem teatral do
que da oralidade. Outro fenômeno importante a ser observado é a transfiguração
das bibliotecas escolares e públicas que trouxeram para o centro do debate a
importância de um acervo mais acessível ao público e a real necessidade de um
mediador de leitura. O contador de histórias passou a ser a principal figura
nessa mediação, ao mesmo tempo em que o seu papel também passa a ser
questionado em pesquisas voltadas à mediação de leitura, um paradoxo: será que
a figura do contador de histórias ao invés de aproximar o leitor do livro não o
distanciaria de tal relação, pois sua performance e companhia facilitaria a
leitura e suprimiria do leitor o caminho solitário necessário ao enfrentamento
de decodificação dos signos literários? Numa explosão de profissionais da
palavra que atuam no teatro, em bibliotecas, nos espaços culturais e comerciais
e até mesmo corporativos, entendeu-se como necessário a criação de um espaço
para pensar e exercitar, com vagar, aspectos que regem a atuação do contador de
histórias na contemporaneidade, daí o surgimento de um curso de pós-graduação
lato sensu. O curso surgiu no ano de 2010 e
atualmente está com a quarta turma em andamento. As
abordagens são poética, literária e performática. A abordagem poética trata da
reflexão e exercício prático da construção da poética de cada contador de
histórias a partir da observação, comparação, análises e sínteses das
comunidades de narradores tradicionais e letrados (MATOS, 2007). A abordagem
literária procura aproximar o estudante da reflexão da composição de seu
repertório e de suas leituras e como estas orientam a sua prática. Por fim, a
abordagem performática reflete desde a presença da voz na palavra escrita até o
encontro com a audiência. Tal
espaço não esgota as questões em torno da prática narrativa, contudo este
experimento tem aberto uma clareira para o exercício de práticas e reflexões no
campo da arte de contar histórias.
Palavras-chave:
Formação. Contador de histórias.
Narrativas orais. Pós-graduação. Narrrador.
Fundo de cena
Nos últimos anos na cidade de São
Paulo houve uma eclosão de contadores de histórias em diversos espaços
culturais como livrarias, centros culturais, escolas, bibliotecas, hospitais,
teatros, empresas, entre outros territórios. Observa-se que esta expansão da
presença dos contadores de histórias não é exclusividade desta cidade, mas
acontece em tantas outras capitais e cidades do interior do Brasil e em muitas
partes do mundo (KOUYATÉ, 2012)[2].
Muito se tem dito, pensando,
experimentado no campo das narrativas orais. Contudo, a formação e os caminhos
para tornar-se um contador de histórias profissional ainda são temas que
dividem opiniões e que causam mal estar e controvérsias em muitos encontros
destinados às suas reflexões.
Mal estar, porque alguns
contadores de histórias e formadores de outros narradores entendem que há na
cultura acadêmica e na sistematização do saber em torno da oralidade uma
apropriação de um saber, por parte da academia, que nasce nas e das comunidades
tradicionais e que seguem outra lógica de ensino-aprendizagem, talvez mais
ligada à transmissão de valores e aos afetos de uma memória partilhada.
Controvérsias, sobretudo,
porque numa cidade cosmopolita como São Paulo, com pessoas oriundas das mais
diferentes localidades, com experiências complexas, diversas, com uma falta de
nitidez em reconhecer-se parte integrante de uma única comunidade com
fronteiras claras, com uma dinâmica de produtividade que exige funcionalidade,
eficiência, empreendedorismo de cada indivíduo e da coletividade questiona-se o
estatuto da transmissão tradicional no processo de ensino e aprendizagem deste
ofício - justamente pela forma de vida em comunidades tradicionais lidar com a
ocupação do tempo e do espaço com dinâmica diversa a esta - e coloca-se em
xeque a resistência ao pensamento formativo sistematizado do sujeito que
escolhe exercer o ofício e a profissão de contador de histórias.
ATO ÚNICO
Prólogo
Neste pêndulo, entre o mal estar e as controvérsias, aparecem miríades de nuanças capazes de abrir
mundos de reflexão neste campo formativo daquele que virá a ser um contador de
histórias. Neste trabalho optou-se por contar a história da concepção, implantação
e realização de um curso de pós-graduação lato sensu em A Arte de Contar Histórias com três abordagens
diversas: poética, literária e
performática, que se ligam por camadas ora simultâneas, ora alternadas. Em
linhas gerais, as três abordagens são aberturas de espaços com vistas para o
alargamento da experiência do narrador. Dito de outro modo, um aspecto que
sempre incomoda em toda prática artística de qualquer natureza é o modismo e a
reprodutividade de um determinado ideário estético que engessa a experimentação
e o alargamento da experiência de pensar, sentir e dizer tanto àquilo ao que
concerne a linguagem quanto à própria experiência humana.
A abordagem poética trata da
reflexão e exercício prático da construção da poética de cada contador de histórias
a partir da observação, comparação, análises e sínteses das comunidades de
narradores tradicionais e letrados (MATOS, 2007)[3]. A
abordagem literária procura aproximar
o estudante da reflexão da composição de seu repertório e de suas leituras e
como estas orientam a sua prática. Por fim, a abordagem performática reflete desde a presença da voz na palavra
escrita até o encontro com a audiência.
Quadro 1 – A concepção, implantação e
realização do curso
O curso de pós-graduação lato sensu
foi concebido no final do ano de 2009 e implantado no início do ano de 2010 em
parceria de três instituições: Sead (Serviços Educacionais à Distância) – que
faz a gestão administrativa do curso, por tratar-se de um curso pago e de
natureza privada; SIEEESP (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado
de São Paulo) – que fornece a infra-estrutura (instalações; equipamentos; etc)
para que o curso aconteça na cidade de São Paulo; e, por fim, o ISEPE –
Instituto Superior de Ensino do Paraná que faz a gestão pedagógica e que legitima
o curso junto ao MEC, por estar credenciado pela portaria número 579-2002 MEC,
publicado no Diário Oficial da União número 43 de 05-03-2002. O curso acontece de
acordo com a Resolução 01-07, de 08-06-07, do CNE-CES.
Quadro 2 – Estranhamentos
Não foi raro encontrar
estranhamentos quando da aparição do curso. Isto porque a maior parte das
formações na área, oficinas, workshops, são de curta duração e em geral são
oferecidas por profissionais da narrativa que já trazem consigo um lastro de
experiências como artistas e contadores de histórias e que nestes curtos
encontros condividem[4]
suas trajetórias, suas técnicas, seus sentidos.
Outro ponto que contribuiu para estes estranhamentos foi o da presença da
palavra especialização que é intrínseca
a um curso de pós-graduação lato sensu. “Um
contador de histórias especialista? Isto não é um paradoxo? Visto que nas
comunidades tradicionais sua presença é justamente a marca do holístico, da
inteireza?”
Vale ressaltar que o curso surge na cidade de São Paulo, no ano de 2010,
numa grande cidade, cuja convivência com a narratividade difere das comunidades
tradicionais no sentido daquilo que Walter Benjamin nomeia como o narrador sedentário
ou o narrador marinheiro; ou aquele que fica em sua terra e a conhece tão profundamente
que é capaz de guardar e transmitir todas as memórias e experiências àquela
comunidade; ou aquele que vai para longe, vive aventuras diversas e regressa ao
seu povo para contar-lhes suas peripécias[5].
Aquele que quer contar histórias assumindo a figura do narrador nos
grandes centros urbanos (podemos inferir também nos meios rurais, visto que
vivemos a mundialização[6]
dos meios e modos de produção) tem que entrar em contato com aquilo que Luis
Alberto de Abreu nomeou como a restauração
da narrativa.
Ao perder o contato com a praça, com as ruas, com a
comunidade, enfim, o homem perde seu imaginário, abandona a fonte de sua
cultura e diminuem-se consideravelmente a quantidade e a qualidade das
experiências que podem ser comunicadas. Seu repertório de imagens, sem o
acréscimo das imagens apreendidas no contato e conflito com outros homens,
reduz-se àquelas geradas apenas a partir de si próprio (os sentimentos) e
advindas no contato e conflito com seu reduzido meio familiar e círculo social
(moral). Os próprios sentimentos sem o conflito com a complexidade do mundo
real tendem a permanecer na superfície ou a se tornar idealizados. Ao abandonar
as ruas o homem diminui substancialmente sua capacidade de aprender. O saber
distancia-se do sentir[7].
Portanto, a tese de que via de regra
o narrador é um sujeito holístico fica ameaçada pela constatação deste distanciar-se do sentir, proposto por
Abreu, daqueles que se afastam das ruas, das praças, do convívio. Para restaurar a narrativa será então preciso
ou talvez, pode-se dizer, que um dos caminhos possíveis poderá ser a criação de
um projeto de convivência que tem uma duração (mais longa que os curtos
encontros de oficinas, workshops), que acontecem num espaço específico e que
têm um objeto muito claro: a narratividade. A especialização aqui funciona como
a construção de um esforço comum para restaurar
a narrativa, uma espécie de programa para des-programar automatismos, pré-concepções,
que tiram o sujeito da experiência:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça
ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível
nos tempos que ocorrem: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para
escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar
para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião,
suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação,
cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o
que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2004.
p. 87).
Portanto, a especialização aqui pode ganhar uma outra acepção: dar a ver
um espaço, um tempo e um fazer “especiais”, dito de outro modo, um gesto de
interrupção: parar para pensar nas palavras, sua arquitetura, seus fundamentos,
sua história trançada na história de cada sujeito; parar para olhar o outro e a
si mesmo na performance narrativa; parar para escutar autores, histórias,
textos e a polifonia das vozes que compõem um pensamento vivo em torno de uma
linguagem artística, como é o caso da arte de contar histórias. Além claro, de
pensar-se nas múltiplas potencialidades destes encontros abrirem olhos e ouvidos
dando tempo e espaço para a construção de estéticas diversas em torno desta
arte milenar.
Quadro 3 – A relação
entre a narratividade e o teatro pensadas no curso
Outro fenômeno que se observa de
maneira bastante contundente é a presença da narratividade no fazer teatral. É
fato que desde o final da década de 20 do século passado, na Alemanha,
observa-se experimentos de quebra da quarta parede[8],
dito de outro modo, experimentos teatrais que rompem com a tradição - de um
teatro burguês e dramático, cuja função é produzir a ilusão de que o que
acontece no palco é uma “fatia da vida”[9] –
e dirigem-se diretamente ao público ora contando alguma coisa, ora revelando a
própria estrutura que produz o efeito de ilusão.
O mais importante teatrólogo no Ocidente (dramaturgo, diretor, etc) neste
sentido foi Bertolt Brecht[10].
O recurso da narratividade dava o efeito épico à cena, uma adjetivação possível
ao tipo de teatro que Brecht e sua companhia experimentavam. Dizemos uma
adjetivação, pois o substantivo à Épica, no sentido stricto sensu não é
possível existir no teatro, segundo Anatol Rosenfeld, visto que o teatro
hibridiza-se com o lírico (a expressão de sensações, sentimentos, sinestesias
de um sujeito) e com o dramático (criação de personagem, conflito, relação de
causalidade)[11].
Contudo, a motivação de trazer para
o corpo programático do curso a discussão da narratividade no teatro foi a de
discutir mais profundamente a história das apropriações que o teatro fez da
narrativa oral e também abrir discussões e práticas a partir das produções
contemporâneas em teatro, que trazem marcas de narratividade.
Além disso, propor uma discussão para pensar e analisar experimentos nos
quais o contador de histórias pode ampliar sua potência narrativa quando se utiliza
de recursos teatrais e quando estes mesmos recursos teatrais interditam a
autenticidade do contador de histórias - visto que o teatro e a narrativa oral
podem servir-se solidariamente um do outro, mas não pertencem à mesma natureza
estética.
Quadro 4 – Energia gerada pela convivência
Ainda tratando do tema da
restauração da narrativa, foi imprescindível pensar que a potência dos
encontros estaria centrada em princípios que norteiam a própria arte da
narrativa oral, sendo eles: divertimento; reflexão; e a presença da voz de
todos os alunos nas arenas de aula (a presença dos ouvintes de maneira ativa e
não passiva).
Divertimento, partindo do
pressuposto de que o trabalho com o “músculo” da imaginação depende
exclusivamente de um des-condicionamento do corpo e da des-cristalização de
conceitos morais rígidos, portanto o jogo é elemento fundante de uma prática
como esta; Reflexão partindo do
ideário de que a narratividade está, desde Benjamin, vinculada à reflexão de
questões urgentes da própria existência, como: o nascimento; a guerra; o amor;
a morte, etc; e por fim, A presença da
voz dos alunos, pois qualquer processo emancipatório no campo da formação deve
partir do pressuposto de que todos estão em igualdade de condições
(inteligências) em qualquer experimento de ensino e aprendizagem, desde a
construção da dinâmica das aulas até o seu processo avaliativo, e sobretudo, no
processo de escritura dos trabalhos de conclusão de curso.
Quadro 5 – Mediação de Leitura
O contador de histórias é um
mediador de leitura? O que é mediar a leitura? Talvez estas duas questões só
possam ser feitas depois de uma outra: a que conceito de leitura estamos nos
remetendo?
Muitos pensadores e profissionais da
mediação de leitura são enfáticos em dizer que a contação de histórias não é um
exercício de mediação à medida que espetaculariza
a palavra do livro e desvia o leitor de seu objetivo: a leitura. Para estes
especialistas o mediador é um sujeito que trabalha com uma “leitura neutra”
deixando que a palavra se apresente ao leitor o menos “contaminada” possível
por inferências dos mediadores.
De outro lado, alguns contadores de histórias são convidados pelos
espaços de leitura justamente para exercerem a função de mediadores, pois são
“lúdicos”, “agradáveis”. Será que os contadores de histórias não são mesmo
mediadores de leitura? Será que os mediadores de leitura são realmente neutros
em relação à leitura de livros? Qual a medida de tudo isso? O que estamos
querendo de fato tocar quando afirmamos ou perguntamos estas coisas?
Este quadro é praticamente uma
colcha de retalhos de perguntas que levam a outras perguntas ainda mais
complexas, como por exemplo: a que ideário de contação de histórias estão se
referindo os especialistas que não vêem na narratividade oral uma ação potente
no processo de mediação? Por que afirmam que há espetacularização? Será pelo
uso de expedientes oriundos do teatro, como: figurino, instrumentos musicais,
cenários? Será isso a contação de histórias? E a neutralidade defendida? Que
neutralidade é esta? A forma de ler? O tom da voz?
Aconselhar
é antes de tudo perguntar ao invés de responder diz Walter Benjamin no
clássico texto O Narrador, de 1936,
já citado neste artigo. Portanto, este curso tem se mostrado também um
perguntador destas urgências prementes em nossa sociedade que são bastante
complexas. Espera-se que as produções de pesquisas e textos que ainda estão por
vir nos trabalhos de conclusão de curso possam contribuir para a expansão
reflexiva e de práticas em torno da mediação de leitura, da formação de leitores
e de uma possível relação solidária entre estas práticas e o ato de contar
histórias.
Quadro 6 – Distribuição
O curso tem se distribuído da
seguinte forma: fundamentos (repertório); performance (construção da poética de
cada contador de histórias); e literatura (leitura e escritura). Estas camadas
não são as abordagens, pois as mesmas, como dito anteriormente, são: poética, literária e performática.
Abordagens e camadas aqui se diferem. Abordagens
são as formas pelas quais se apresentam os conteúdos do curso, dito de outro
modo, o como o objeto, a arte de
contar histórias, se mostra; já as camadas
são movimentos do pensar, dizer e praticar a contação de histórias que se
cruzam ao longo de toda a duração do curso.
A camada de fundamentos como
está em torno do repertório transversa as três abordagens, pois trata de temas
como a relação entre memória e sociedade; a relação da figura do narrador e a
narratividade; as vozes da voz do narrador, os pathemas ou padecimentos que são
marcas da voz de todos nós e como isto aparece no contador de histórias; e
especificamente a formação de repertório, conhecendo, reconhecendo, analisando,
contando e recontando contos populares das comunidades tradicionais, contos de
fadas (e as inferências da psicanálise), além da literatura clássica e
contemporânea, pensando exclusivamente como são compostas as bibliotecas
particulares de cada narrador.
A performance além de ser uma das abordagens do curso, também
apresenta-se como uma camada à medida que é o espaço de construção da poética
pessoal de cada contador de histórias, entendendo como poética o conceito grego
de poiesis ou fabricar, produzir,
entender as pegadas do jeito singular de cada narrador e seu vínculo com a sua
comunidade de ouvintes. Ainda neste espaço da performance pode-se incluir os
laboratórios de criação, como o de Criação de Canções (entendendo que a canção
conta histórias) e o de manipulação de objetos, na perspectiva da projeção
imaginativa em objetos ou na “desobjetação” dos objetos animando-os no processo
de enriquecer o ato de contar histórias. Um trabalho bastante delicado foi
pensado em torno da materialidade da palavra, do cuidado do dizer e da
investigação da relação existente entre a palavra, a voz e o corpo como ato
integrado, mas que para ser compreendido como tal exige um debruçar-se técnico
e sensível nesta relação existente no entre
estas categorias (palavra, voz e corpo). Além claro, de ser o espaço
privilegiado para o exercício prático de cada estudante expor suas práticas e
negociar impressões, descobrir, inventar, encontrar caminhos de ajustes,
potências, expansão de técnica e sentido.
E por fim, a camada literária
que também é uma abordagem do curso. Nesta camada os estudantes praticam e
partilham leitura em voz alta, escutam-se, conhecem histórias diversas,
inventam histórias e sobretudo, escrevem. Aproximam-se do gesto da escrita como
instrumento emancipatório de suas práticas narrativas, culminando na produção
em um artigo de conclusão de curso. Este artigo deverá trazer a experiência do
narrador, sua poética e a relação com um aspecto ou mais aspectos que o moveram
ao longo do curso.
Epílogo
Neste ano de 2012 estamos em
andamento com as terceira e quarta turmas do curso, e duas turmas já concluíram
a jornada. Foram produzidos até o momento 35 trabalhos de conclusão de curso
com uma grande diversidade de abordagens em torno da temática da arte de contar
histórias. Abordagens educacionais; estéticas; discussões entre o teatro e a
narrativa oral; mediação de leitura; contação de histórias e o palhaço;
narratividade oral e tecnologia; enfim, uma diversidade incrível de
possibilidades de pensar esta arte complexa e de fundamental importância para a
experiência humana.
Os desafios daqui para frente estão
apontando para entender como a especialização nesta área do conhecimento humano
chega à vida profissional e tem contribuído para o alargamento da experiência
narrativa nos mais diversos espaços de produção e consumo de cultura.
Uma pergunta que tem se aberto hoje,
com as turmas atuais é o aprofundamento da questão: o que a minha memória privada contribui para pensar, dizer e sentir a
memória pública e coletiva? Um desafio que se apresenta para cada um que se
envolveu e que ainda pode vir a se envolver com esta experiência de narrar o saber e ouvir o aprender.
Referências
ABREU, L. A. A restauração da
narrativa. Net, São Paulo, set. 2012. Seção Núcleo de Dramaturgia. Disponível
em: <http://www.sesipr.org.br/nucleodedramaturgia/FreeComponent9545content77389.shtml>
Acesso em 20 de setembro de 2012.
AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? e Outros
Ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense,
1996.
LARROSA, J. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.
MATOS, G. A. A palavra do contar histórias. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
____________ O ofício do contador de histórias. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ROSENFELD, A. O Teatro Épico. São Paulo: Perspectiva, 1997.
TIERNO, G. A Arte de Contar Histórias – Abordagens poética, literária e
performática. São Paulo: Ícone Editora, 2012.
[1]
Doutorando em
Arte Educação. Instituto de Artes da UNESP. Linha de
Pesquisa: Processos artísticos, experiências educacionais e mediação cultural.
[2]
Conteúdo proferido por Hassane Kouyaté, griot (narrador oral) de Burkina Faso,
no evento Boca do Céu, organizado
pela contadora de histórias e pesquisadora Regina Machado, que ocorreu entre os
dias 13 e 15 de setembro de 2012, na Oficina Cultural Oswald de Andrade na
cidade de São Paulo.
[3] MATTOS, Gislayne Avelar de. A palavra do contador de histórias. São
Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 33.
[4] “Condividono: terceira pessoa do plural do
verbo condividere, em
italiano. Condivisione , em italiano, significa “o
compartilhar”. In: AGAMBEN, Giorgio. O
que é contemporâneo? e Outros Ensaios.
Chapecó: Argos, 2009. p. 87.
[5]
BENJAMIN, Walter. O Narrador.
Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense,
1996. p. 197.
[6]
Uma denominação precisa para o fenômeno da globalização. Conceito utilizado por
Robert Brenner, István Mészáros e David Harvey, que complementam, com vigor
analítico, as idéias de Chesnais sobre a nova etapa de desenvolvimento
capitalista e a crise do sistema do capital no limiar do século XXI.
[7] ABREU, L. A. A restauração da narrativa. Net, São
Paulo, set. 2012. Seção Núcleo de
Dramaturgia. Disponível em: <http://www.sesipr.org.br/nucleodedramaturgia/FreeComponent9545content77389.shtml>
Acesso em 20 de setembro de 2012.
[8]
Quarta parede é termo utilizado no teatro dramático para dizer que há uma
parede simbólica entre o cosmos fictício criado pela encenação e a platéia que
frui o espetáculo.
[9] Termo
cunhado pelo escritor francês Émile Zola, ideólogo da estética naturalista.
[10]
Bertolt Brecht nasceu em 1898 e faleceu em 1956, seus trabalhos artísticos e
teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o
mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner
Ensemble.
[11] ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Perspectiva, 1997. p. 15.